ARTE DE RUA

Dos olhos já escorriam filetes negros. O líquido preenchia tudo até não restar nenhum vestígio de cor branca ou de pupila, e ele deixava os olhos dela piscarem. Segurava os cabelos dela com a mão esquerda, enquanto a direita apertava com toda a fúria de um assassino profissional apertando um gatilho. Apertava o spray, não um gatilho de arma de fogo, dentro das órbitas, explodindo de agonia, da moça imobilizada no chão. Ele a pegara. Agora, a maltratava como o diabo que, com o próprio fogo, inflama seus companheiros nas profundezas rubras do Ades. Jazia ali, diante dele, quem tanto destruíra seus muros, que tanto pintou com esmero. Os fios desorientados na cabeça dela, ele puxou até que não havia dúvidas de que, após alguns dias, ela perceberia partes do couro cabeludo como que mordidas por algum comedor de cabelo. Levantou-se e a deixou ali mesmo no chão duro. Muita tinta abrindo caminho pelos beirais do nariz, curvas do queixo e entornos das orelhas. Levantando-se, as pernas dele tremeram porque, por alguns décimos de segundo, antes de ela perder os sentidos, os dois buracos na face rebolaram (petecas banhadas em graxa) fazendo mais tinta transbordar em meio aos gritos que saíam embebidos e pastosos de sombras. Era como uma aparição macabra. Agora quem levantava era ela. Mãos em direção ao nada tateando o vento. Saiu da calçada e pisou no meio fio. Mais uns passos.

Havia um carro, aproximando-se, cortando o ar frio da noite e engolindo/consumindo todo piche de asfalto pela frente.


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